segunda-feira, 6 de junho de 2011

Novo Código Florestal - Por Sidinei Magela Thomaz

Muito já se escreveu e se falou sobre as novas propostas para o Código Florestal. Então, vou me ater nesse artigo a algumas questões que têm sido enveredadas a mim, como biólogo, e também têm sido propagadas na imprensa escrita e falada. Para ser prático, vou considerar apenas as questões principais, mesmo porque acredito que em um blog, os comentários devem ser parcimoniosos e diretos.
Em sua maioria, as críticas ao Código Florestal em vigor têm sido feitas por economistas e agrônomos retrógrados. Vou tentar explicitar a razão em minhas colocações a seguir, que por razões práticas, serão realizadas a respeito de algumas das críticas que têm recebido maior atenção da imprensa. Também por motivos práticos, separei as mesmas em argumentos, dos defensores da nova proposta, e contra-argumentos, que abordam a visão daqueles que priorizam a defesa de nossa biodiversidade e dos serviços por ela prestados.

Argumento 1 (o principal deles): “As alterações do Código Florestal são essenciais para incrementar a produção agropecuária.”

Contra-argumento:
Os aumentos da produção agropecuária estão baseados, especialmente e comprovadamente, na tecnologia e não na redução das áreas protegidas. Imaginem que a Mata Atlântica, por exemplo, foi reduzida em 93%, restando atualmente apenas 7% da área original. O mesmo ocorreu com o Cerrado, do qual restam apenas 22% da área original. Então, em sã consciência, devastando os restantes 7% de Mata Atlântica e 22% do Cerrado, qual seria o benefício para a produção agropecuária? Pífios 7 e 22%, respectivamente! Esses valores são irrisórios considerando-se os incrementos conseguidos com a tecnologia. Por exemplo, o simples aproveitamento do bagaço e parte das palhas e pontas da cana-de-açúcar pode elevar a produção de álcool em 30 a 40%, para uma mesma área plantada (http://www.embrapa.br/embrapa/imprensa/artigos/2011/producao-de-etanol-primeira-ou-segunda-geracao). Esses números são maiores para outras culturas e esse incremento de produtividade é nitidamente superior a aquele que se conseguiria pela devastação completa da Mata Atlântica (7%) e do Cerrado (22%)! Obviamente, com consequências irreparáveis para nossa biodiversidade.
Quando esse argumento é utilizado, criticam que o mesmo não se aplica aos pequenos agricultores. Caímos novamente em uma falácia, pois a tecnologia também se aplica a eles. Por exemplo, basta analisar a situação dos pequenos produtores do Norte do Paraná, que com a tecnologia gerada pela Emater, são exemplares nesse sentido e mantêm grande parte da economia do Estado.
Um segundo contra-argumento pode ser baseado nos números divulgados pelo próprio agronegócio: o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de produtos agropecuários. Isso demonstra claramente que já somos um destaque mundial nesse setor. Não seria mais lógico mantermos essa liderança utilizando a tecnologia desenvolvida pela EMBRAPA e por outros órgãos de pesquisa, de excelência comprovada?

Argumento 2: “Quem critica as alterações do Código Florestal vive em cidades e desconhece a realidade do campo” (tanto quanto eu saiba, o digníssimo deputado Aldo Rebelo não é um campesino!).
Contra-argumento:
Todos que vivemos em cidades, também doamos áreas potencialmente habitadas em prol da sociedade, ou seja, em prol de um bem comum. Por exemplo, tenho uma residência em um terreno de 300 m2, mas a mesma teve que ser construída a um metro da divisa (para respeitar a privacidade dos vizinhos) e a 4 metros de recuo da parte frontal. Além disso, são mais 2 metros de calçada, em prol dos transeuntes. Em suma, utilizando a visão dos proprietários rurais defensores do novo código, “perdi” cerca de 30% do terreno que comprei (não considerando a calçada)! Nada mais natural, nunca encarei isso como perda, pois essas aparentes perdas de área tornam as cidades mais humanas. Nunca questionamos isso, então, onde está o problema em se questionar sobre o mesmo fato em áreas rurais, em prol da conservação da biodiversidade e da qualidade da água, que beneficiam a sociedade como um todo?

Argumento 3: “Estamos sendo internacionalizados e quem é contra as alterações do Código Florestal são ONGs estrangeiras, a serviço de governos internacionais.”
Contra-argumento:
Nada pode ser mais retrógrado que essa opinião. Em sua maioria, quem defende a conservação são ONGs nacionais (veja o exemplo do SOS Mata Atlântica, exemplar e genuinamente brasileira). Além disso, a respeito da comercialização de nossos produtos agropecuários, os economistas defendem que devemos ser globais (“vivemos na era da globalização”), mas na hora de proteger nossos recursos, temos que ser nacionalistas... um grande “non sense”. Esse argumento nos remete aos anos 70 quando, nadando contra a corrente, o governo militar e ditatorial do Brasil se posicionou na primeira conferência mundial para o Meio Ambiente em Estocolmo, em 1972, promovido pela ONU, argumentado que “a poluição foi um sinal de progresso e que o ambientalismo foi um luxo para os países desenvolvidos”.

Argumento 4: “Os países da Europa não têm leis para proteger suas florestas, que já foram inteiramente devastadas; então, porque nós temos que conservar os recursos naturais?”

Contra-argumento:
Talvez esse seja o argumento mais fácil de rebater. Primeiramente, regiões temperadas não têm nossa biodiversidade. Seus ecossistemas são simples e com reduzida diversidade de espécies, então, eles podem se dar a esse luxo.
Segundo, cabe a seguinte analogia: “meu vizinho é feio, então também quero ser”. Outro “non sense”. Ou seja, os erros de países do primeiro mundo não podem ser justificativas para cometermos nossos próprios erros. Afinal, gostaríamos de ser uma liderança mundial em várias áreas, incluindo a conservação ambiental, ou não?
Além disso, o mercado internacional preza cada vez mais por técnicas de produção ecologicamente corretas. Por exemplo, as grandes empresas de varejo já não comercializam carne produzida às custas da devastação de florestas. Então, trata-se de uma questão de mercado. Infelizmente (ou, felizmente), caso não tenhamos condições de organizar nossa produção de forma ecologicamente correta, o mercado internacional o fará. Assim o espero, às custas de ser taxado de inocente ou anti-nacionalista. Basta de acreditarmos que os EUA vão internacionalizar a Amazônia, conforme com frequência se noticia em vários sítios da internet.

Argumento 5: “O código florestal de 65 não tem argumentos científicos.”

Contra argumento:
Pelo contrário, o relator do atual código nunca ouviu os argumentos de cientistas. Desde 1965 já produzimos ciência de qualidade que pode (e deve) ser utilizada na proposição de um Código Florestal atual, mais racional e em consonância com a conservação da biodiversidade. Não vou detalhar as questões técnicas a esse respeito para não ser prolixo, mas para os interessados, basta averiguar o excelente artigo “O Código Florestal tem Base Científica?” de Jean Paul Metzger (Natureza & Conservação, 8(1): 92-99, Julho de 2010).

Resumindo...
Em suma, aparentemente o Código Florestal em vigência desde 1965 é mais atual e condizente com o conhecimento científico, com as perspectivas futuras e com os interesses difusos da sociedade que a atual proposta. A rigor, sinto-me constrangido em ser brasileiro quando ouço que nosso país pode ser o celeiro do mundo. Nada pode ser mais primitivo do que ser reconhecido por produzir commodities, afinal e realmente, era apenas e tão somente das atuais commodities que viviam as sociedades primitivas. Se efetivamente pretendemos um futuro melhor para nossos descendentes, teremos que agir com responsabilidade e, em um país megadiverso, isso significa prezar por nossos recursos naturais. Enfim, em um momento propício para definirmos regras claras para incrementar as áreas protegidas, estamos prestes a tomar o caminho inverso. Estamos perdendo uma oportunidade histórica para consolidar nossa liderança mundial na conservação ambiental. E, novamente, nadando contra a corrente. Dilma, por favor, pelo benefício de todos e em nome do bom senso, vete as alterações propostas para o novo Código!

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AutorSidinei Magela Thomaz 
Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos, doutor em Ecologia pela UFSCar e pós-doutor pela Mississippi State University (USA). Professor associado da Universidade Estadual de Maringá, credenciado no Programa de Pós-graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais e no Programa de Pós-graduação em Biologia Comparada. Editor Associado das revistas Hydrobiologia, Natureza & Conservação e Neotropical Biology and Conservation. 

3 comentários:

  1. Muito bom os seus argumentos prof. Nei. Indiquei para meus alunos lerem. Um grande abraço.

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  2. Vale a pena ler: "Sul dobra a produção sem
    aumentar ocupação da terra"

    http://www.expressao.com.br/newsletter/noticias/capa_27072011.html

    Nei

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